Instrumentos Astronômicos da Era pré-telescópio

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Introdução

Historicamente, o interesse pela astronomia deu-se por necessidade. As medidas de tempo são feitas baseadas em movimentos periódicos, seja de um pêndulo, das oscilações de um cristal de quartzo, ou das fases da Lua. O movimento periódico mais fácil de se observar é o movimento do Sol. Desta forma, a noção de dia foi a primeira forma de determinação do tempo utilizada pela humanidade. Entretanto, existem sutilezas na definição do dia que raramente são ensinadas nas escolas e seguem desconhecidas pela maioria das pessoas durante toda a vida e, embora tais detalhes hoje em dia nos passem desapercebidos, eles foram fundamentais para o desenvolvimento da nossa civilização. A noção de estações de ano foi crucial para o estabelecimento da agricultura, o cômputo das fases da Lua ainda é determinante no cálculo das marés e, a determinação do ano e, consequentemente, a criação de um calendário para marcar a passagem do tempo são exemplos de como o conhecimento astronômico possui papel importantíssimo na nossa sociedade.

Curiosamente, todas estas informações referentes à passagem do tempo podem ser obtidas utilizando-se um instrumento extremamente simples e rudimentar: o gnômon. O gnômon consiste, basicamente, de uma vareta presa de modo a ficar perpendicular ao chão. Observando-se a projeção de sua sombra no chão devido ao movimento do Sol ao longo do dia, somos capazes de determinar o meio-dia e os pontos cardeais. Ainda, se tal observação for realizada ao longo de um ano, podemos determinar as estações do ano.

Com este exemplo de instrumento astronômico rudimentar, é possível notar a quantidade enorme de informações que podemos obter simplesmente observando a sombra de uma vareta ao longo do ano. Obviamente, a relação entre estas observações e a consequente determinação de fenômenos como as estações do ano, por exemplo, não é trivial. Podemos, portanto, partir de considerações extremamente simples para discutir os movimentos terrestres (os quais não são tão triviais, haja visto que até hoje existem aqueles que defendem a ideia de que a Terra é plana).

Uma das grandes revoluções do pensamento científico foi proposta por Nicolau Copérnico, publicada em sua forma final em 1543 no seu livro intitulado “De revolutionibus orbium coelestium” (Da revolução das esferas celestes). Nesta obra Copérnico apresenta sua teoria heliocêntrica, a qual seria aprimorada pelas precisas medidas de Tycho Brahe e, posteriormente, corrigida e comprovada pela análise minuciosa de Johannes Kepler. Este marco histórico só foi possível por meio de medidas das órbitas dos planetas realizadas à olho nu, utilizando-se somente instrumentos de medidas angulares no céu (é importante ressaltar que Tycho Brahe construiu um enorme observatório para realizar medidas extremamente precisas de distâncias angulares no céu).

Nossa proposta com este projeto é a construção de instrumentos astronômicos da era pré-telescópio (embora o telescópio não tenha sido inventado por Galileu, ele foi o primeiro a utilizá-lo para realizar observações astronômicas sistemáticas, a partir do ano de 1609). Ao construírmos tais instrumentos, os alunos envolvidos no projeto desenvolverão habilidades matemáticas (já que a maioria destes envolve a determinação de ângulos e comprimentos), além de entrarem em contato com conceitos físicos importantes no desenvolvimento do pensamento crítico científico.

Justificativa

Existe uma considerável literatura sobre os problemas no ensino de astronomia tanto no Ensino Fundamental quanto no Ensino Médio. Em sua maioria, é comum encontrar discussões sobre o despreparo dos professores para tratar de pontos específicos do assunto, erros presentes em livros didáticos de ciências e o pouco tempo disponível alocado para o ensino deste conteúdo. Destaco aqui um trecho do resumo da referência, na qual os autores aplicaram um questionário a um grupo de 270 alunos em 3 escolas do estado de São Paulo:

“As questões relacionadas aos conhecimentos prévios dos estudantes permitiram constatar que há pouco conhecimento acerca dos temas investigados, destacando-se que apenas 20 % dos alunos foram capazes de relacionar as semanas com as fases da lua, enquanto 28 % associaram as estações do ano à inclinação do eixo de rotação da Terra e 23 % tinham noções das distâncias entre objetos celestes próximos da Terra. Enquanto 56 % conseguiram relacionar o Big Bang com a origem do Universo, verificou-se que 37 % reconheciam ano-luz como unidade de distância e 60 % concebiam o Sol como uma estrela.”

Desta forma, é possível notar que em muitos casos faltam noções básicas de astronomia aos alunos do Ensino Médio, mesmo que tais conceitos já tenham sido bem estabelecidos há centenas de anos.

Contudo, é possível encontrar propostas alternativas que buscam implementar o ensino de astronomia de modo eficaz nas escolas. A referência 8, por exemplo, apresenta o relato positivo de uma prática experimental para o estudo dos movimentos terrestres utilizando a projeção de sombras, utilizando-se um gnômon. Ainda, a referência 9 sugere a inserção de uma disciplina de astronomia no currículo do Ensino Médio.

Nesta linha, Iachel e Nardi [10] exploram a necessidade da formação continuada de professores para o ensino de astronomia, identificando quais são as principais deficiências encontradas pelos professores e baseando-se nos itens descritos nos Parâmetros Curriculares Nacionais.

Podemos, portanto, notar que a proposta de ensino de astronomia no Ensino Médio é extremamente pertinente, haja visto que existem grandes deficiências na exposição de conceitos básicos. Além disso, a astronomia é uma ótima oportunidade para os alunos entrarem em contato com as diversas áreas da ciência, ainda mais agora, após a aprovação da reforma no Ensino Médio.

Objetivos

Nossa proposta visa, num primeiro momento, o estudo de conceitos básicos de astronomia, de caráter teórico-experimental, por parte dos alunos. Posteriormente, iremos construir um conjunto de instrumentos astronômicos e um material didático que contenha as instruções para a montagem dos instrumentos, um manual de utilização, uma introdução teórica sobre o assunto e, por fim, um conjunto de atividades a serem desenvolvidas com base nos instrumentos. Quando o conjunto de instrumentos estiver completo, desenvolveremos uma oficina nas escolas e discutir como podemos utilizar tais kits como ferramentas no estudo da astronomia.

1 — Gnômon

Conforme comentado na introdução, o gnômon foi um instrumento fundamental nos estudos primitivos da astronomia. Simplesmente analisando a projeção da sua sombra ao longo do dia, é possível determinarmos tanto os pontos cardeais quanto o meio-dia solar local. Se as observações forem feitas ao longo de um ano, podemos notar os pontos de equinócio de primavera e outono, além dos pontos de solstício de inverno e verão. Embora o gnômon utilize do mesmo mecanismo dos relógios de Sol, ele possui funções diferentes daquele.

2 — Relógio de Sol

O relógio de Sol foi um dos primeiros instrumentos rudimentares criados para uma medição da passagem do tempo com subdivisões menores do que um dia. Assim como o gnômon, ele faz uso da sombra de uma vareta para realizar a leitura do horário. Contudo, como o movimento aparente do Sol varia de acordo com a latitude do local em que é observado, os relógios de Sol precisam ser alinhados com a latitude. Outras correções podem ser introduzidas para o movimento ao longo do ano (analema), tornando o relógio mais preciso.

3 — Relógio Estelar

O relógio estelar faz uso do movimento aparente das estrelas em torno do polo celeste. Nas regiões sul e sudeste do Brasil, a constelação do Cruzeiro do Sul é quase sempre visível no céu noturno, de modo que podemos utilizar a sua posição para determinar qual o horário local. Pode ser facilmente construído utilizando-se somente itens de papelaria tais como cartolina, cola e tesoura.

4 — Quadrante

O quadrante possui papel fundamental na medida angular, tanto na vertical entre um dado astro e a linha do horizonte, ou simplesmente entre dois astros quaisquer. Utilizando um quadrante, podemos determinar a latitude local, a distância angular entre um planeta e uma estrela, por exemplo, a altura que o Sol se encontra do horizonte e, até mesmo, a distância angular entre o Sol e a Lua crescente (medida utilizada por Aristarco para determinar a distância da Terra ao Sol, por exemplo). Assim como o relógio estelar, ele pode ser construído com materiais simples, tais como cartolina, linha e um pequeno peso.\\

5 — Planisfério Celeste

O planisfério celeste é um instrumento utilizado para determinar quais as constelações estão visíveis no céu em uma determinada data. Conforme a Terra revoluciona em torno do Sol ao longo do ano, as constelações que nos são visíveis à noite variam ao longo do ano. O planisfério permite que selecionemos a época do ano desejada e, com isso, conseguimos encontrar um mapa celeste com as constelações visíveis. É muito útil no estudo de reconhecimento do céu e no estudo das coordenadas astronômicas para a localização de objetos celestes.

Metodologia

É planejado para o segundo semestre de 2017 um curso de extensão de introdução à astronomia e astronáutica, o qual será oferecido para alunos do Ensino Médio e alunos de graduação. Será requisitado aos alunos bolsistas que acompanhem o curso, de modo que os mesmos possam ter um primeiro contato com o desenvolvimento histórico e científico da astronomia.

Concomitantemente, pretende-se que cada aluno seja responsável pela construção de um dos instrumentos astronômicos dos citados anteriormente. Para tanto, serão realizadas reuniões semanais, nas quais serão discutidas as aplicações de cada instrumento, bem como sua construção. Durante este processo, os alunos serão orientados a realizar estudos básicos de astronomia, com tarefas semanais práticas que possibilitem o desenvolvimento posterior de atividades utilizando os instrumentos criados.

As atividades propostas serão realizadas primeiramente entre os alunos do projeto, possibilitando que as mesmas sejam avaliadas enquanto são desenvolvidas, recebendo sugestões dos outros participantes. Uma vez estabelecidas, as atividades serão compiladas num material que ficará disponível em uma página da internet, para acesso publico. Lá constarão os manuais de construção (além de partes para imprimir), uma introdução aos conceitos abordados e práticas a serem desenvolvidas com os alunos.

Uma vez que todo o material tenha sido criado, iremos realizar uma oficina na escola dos alunos participantes do projeto, convidando outros alunos da escola a construírem seus próprios instrumentos e realizarem as atividades propostas.